Especialistas listam fatores que podem ter influenciado na grande diferença do número de casos registrados em países vizinhos. Mulher usando máscara passa em frente a mural com a inscrição ‘nem todo herói usa uma capa’, em homenagem a médicos e enfermeiros, em Varsóvia, na Polônia, em foto de 16 de abril
Janek Skarzynski/AFP
A crise do coronavírus estabeleceu uma espécie de fronteira sanitária entre os países da Europa Ocidental e os da Europa Central e Oriental.
Assim como Itália e França, Espanha e Reino Unido superaram a barreira de 25 mil mortes da covid-19, enquanto se somarmos o número de mortes na Polônia, Eslováquia, República Tcheca, Hungria, Áustria e Romênia, o total não chega a 3 mil.
Estes são países com uma população muito menor, mas se observarmos o número de mortes a cada 100 mil habitantes, a diferença se torna clara.
Comparado às 54,42 mortes a cada 100 mil habitantes registradas na Espanha, 48,12 na Itália, 37,63 na França ou 43,33 no Reino Unido, a Polônia registra 1,84; Eslováquia 0,46; República Tcheca 2,37; Hungria 3,59; Áustria 6,78 e Romênia 4,20 (valores da Universidade Johns Hopkins do dia 6 de maio de 2020).
A menor incidência de coronavírus tem levado vários desses países a suspender as medidas de quarentena mais cedo e em maior extensão do que alguns de seus vizinhos ocidentais.
Mas como se explica essa lacuna entre leste e oeste em um continente tão interconectado?
20 de abril – Cliente compra vegetais após a reabertura de mercado de um fazendeiro local, enquanto a propagação por coronavírus (COVID-19) continua em Praga, na República Tcheca
David W Cerny/Reuters
Ações rápidas
Como vimos em outros países europeus que registraram um bom desempenho na luta contra o coronavírus, como Grécia ou Portugal, várias nações da Europa Central e Oriental também contaram com a vantagem do tempo.
Enquanto a Itália registrou seus primeiros casos do novo coronavírus em janeiro, a doença só chegou a Polônia, República Tcheca e Eslováquia no março.
“(O vírus) chegou mais tarde, então tivemos um alerta (sobre o que estava acontecendo na Itália e na Espanha) do que poderia acontecer”, disse à BBC News Mundo Agnieszka Sowa-Kofta, especialista em Saúde e Política Social do Centro para a pesquisa social e econômica polonesa (Case, na sigla em polonês).
“Sabendo que nossos sistemas de saúde são mais pobres em termos de financiamento, equipamentos, preparação… as autoridades de todos esses países se comprometeram com uma ação muito rápida.”
Entre essas ações, Eslováquia, Polônia, República Tcheca e Hungria estavam entre os primeiros países europeus a fechar suas fronteiras. Além disso, outras medidas restritivas foram adotadas, como o fechamento de escolas e negócios não essenciais e restrições à circulação de pessoas quando o número de casos ainda era muito baixo.
Itália e Espanha, por exemplo, adotaram medidas semelhantes quando o número de infecções já estava na casa dos milhares.
“A quarentena na Polônia, por exemplo, foi decretada quando houve 11 casos e as fronteiras foram fechadas muito rapidamente nesses países. A mobilidade foi bastante reduzida e a possibilidade de espalhar o vírus também.”
No entanto, Sowa-Kofta também observa que nem todos os casos podem estar sendo relatados.
“Há virologistas na Polônia dizendo que há mais casos do que os relatados, mas isso também acontece na Europa Ocidental, realmente não sabemos a escala”, diz ele.
Para Thomas Czypionka, especialista em políticas de saúde do Instituto de Estudos Avançados (IHS, na sigla em inglês), com sede em Viena, um fator chave para explicar a menor incidência de coronavírus na Europa Oriental e Central é que esses países têm menos conexões com a China, onde o novo coronavírus foi detectado primeiro no final de 2019.
“A Itália, por exemplo, tem laços muito fortes com a China, com trabalhadores imigrantes em sua indústria têxtil, e também recebe muito mais turistas chineses”, disse o especialista à BBC News Mundo. “Os países do leste têm menos laços com a China.”
‘Quando eles têm um problema, nós temos um problema’
Funcionários de uma loja trabalham com proteção contra o novo coronavírus em Viena, na Áustria, no sábado (2)
Ronald Zak/AP
Um caso particular é o da Áustria, um país que faz fronteira com o norte da Itália e que foi um dos mais bem-sucedidos em conter a pandemia.
A Áustria tem mais de 15.500 casos confirmados de coronavírus e 608 mortes.
Os primeiros casos de coronavírus foram registrados no país da Europa Central no dia 25 de fevereiro: dois italianos que moravam em Innsbruck, que haviam visitado recentemente sua casa na Lombardia, norte da Itália.
No entanto, o número de mortos a cada 100 mil habitantes da Áustria (6,78) é mais semelhante ao de seu outro vizinho, a Alemanha (8,28), do que à Itália (47,80).
“Um fator é que, por ter fronteira com a Itália, quando recebemos as notícias de lá, agimos muito rapidamente porque sabíamos que, quando eles têm um problema, nós temos um problema”, explica Czypionka.
“Temos laços muito fortes entre o oeste da Áustria e o norte da Itália. Sabíamos que, por meio dessas conexões, o vírus também nos atingiria. Então o governo agiu com muita rapidez.”
O especialista explica que o coronavírus se tornou uma doença de notificação obrigatória (cada caso suspeito tinha que ser relatado ao Ministério da Saúde) em 27 de janeiro, enquanto em outros países, como o Reino Unido, isso ocorreu em março.
No início de março, com poucos casos registrados, a Áustria impôs restrições às viagens — proibiu a entrada de pessoas vindas da Itália devido à propagação do vírus naquele país —, fechou escolas e universidades e, em 12 de março, impôs limitações ao movimento de pessoas, algo que para muitos foi considerado um pouco radical, já que quase nenhum país europeu havia adotado medidas tão drásticas.
Seguindo o exemplo de seus vizinhos do leste, como República Tcheca e Eslováquia, a Áustria também tornou obrigatório o uso de máscaras nos supermercados e no transporte público, quando ainda não havia evidências conclusivas sobre sua eficácia.
Artistas se apresentam em espetáculo drive-in em Praga, observados pelo público em seus carros
Reuters/David W Cerny
Fator idade e a estrutura familiar
Para Czypionka, existem outros fatores que explicam a particularidade do caso austríaco — e ,por extensão, de outros países da Europa Central — em comparação com países como Itália ou Espanha.
“Um deles”, explica, “tem a ver com a maneira como o vírus foi introduzido nessas sociedades. Em muitos países da Europa central, o vírus foi introduzido em uma população jovem”.
“Na Áustria, por exemplo, o vírus foi introduzido por pessoas que esquiam, geralmente jovens, e o transmitiram aos colegas. Ou seja, pessoas na faixa dos 40 anos ou menos o espalharam para outros com a mesma idade.”
Ao contrário da Itália, por exemplo, onde o vírus se espalhou em áreas onde uma população mais velha está concentrada, “o vírus se espalhou nos países da Europa central em uma camada demográfica que não estava em risco”.
E, apesar da reação rápida, esses países não estarão imunes à crise econômica que o coronavírus está causando.
Czypionka destaca outro fator que desempenhou um papel fundamental na forma como o vírus foi contido na Europa Central e Oriental: a porcentagem de jovens que vivem com seus pais idosos é maior na Itália, na Espanha e até na França, do que no Europa Central e Oriental.
Em outras palavras, o contágio para grupos de risco foi muito mais limitado, segundo o especialista.
“Na Espanha ou na Itália, o vírus se espalhou para as gerações mais antigas mais rapidamente do que na Europa Central e Oriental, porque a estrutura familiar é diferente”.
Suspensão de medidas restritivas
Assim como estavam entre os primeiros países a impor medidas restritivas, os países da Europa Central e Oriental também estão entre os primeiros a suspender a quarentena.
A Áustria se tornou um dos primeiros países da Europa a suspender as restrições, com a reabertura de pequenas lojas no dia 14 de abril, enquanto o uso de máscaras permanece obrigatório nos transportes e estabelecimentos públicos.
Em 1º de maio, foi permitida a reabertura de salões de cabeleireiros, lojas de mais de 400 metros quadrados e instalações para esportes ao ar livre. Restaurantes, bares e museus devem reabrir ainda este mês.
Na Hungria, exceto na capital, Budapeste, os espaços ao ar livre em cafés e restaurantes reabriram na segunda-feira, dia 4 de maio, assim como praias.
Na Eslováquia, por exemplo, onde há um total de 1.421 casos e apenas 25 mortes, a partir desta quarta-feira já serão reabertas lojas que não estejam em grandes shoppings, hotéis, museus, galerias e atrações turísticas ao ar livre.
Na Polônia, hotéis, shopping centers, alguns centros culturais, incluindo bibliotecas e alguns museus, reabriram no dia 4 de maio.
Sowa-Kofta, do think tank polonês Case, explica que as razões para a reabertura na Polônia são políticas: o governo queria realizar as eleições presidenciais agendadas para 10 de maio, talvez não com votação presencial, mas pelo correio, embora houvesse várias perguntas sobre sua legitimidade.
Mas, no fim das contas, o governo polonês teve que adiá-las. A eleição será remarcada para uma data “o mais brevemente possível”.
Mas a especialista explica que a maioria dos outros países da Europa Central e Oriental decidiu reabrir tão rapidamente por causa da ameaça que as restrições representavam para a economia.
“Depois de um bom desempenho nos últimos anos, agora caiu muito rapidamente, com taxas de desemprego não vistas desde os anos 1990”, diz.
E, apesar da reação rápida, esses países não estarão imunes à crise econômica que o coronavírus está causando.
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