Morte do vocalista do grupo inglês completa 4 décadas nesta segunda-feira (18). Ian Curtis, vocalista do Joy Division, cuja morte completa 40 anos em 2020
Bang Showbiz/Reuters
No livro “Depois do futuro” (2009), o filósofo italiano Franco “Bifo” Berardi observa como o punk inglês fez uma leitura correta de que as coisas não iam por um bom caminho quando a década de 1970 se aproximava de seu final. Alguns sinais estavam dados sobre aquela sensação de mal-estar de fundo, marginal. É como se intuíssem que algo tinha se quebrado. O slogan “no future” (“não há futuro”) de então ressoa nos tempos de hoje com um nível de pertinência acima do saudável.
Tem sido muito lembrada nas playlists temáticas da quarentena a faixa “Isolation”, do Joy Division. Não só pelo título. “In fear every day, every evening” [Com medo todo dia, toda noite] é o verso de abertura da música. “Surrendered to self-preservation / from others who care for themselves” [Rendido a se autopreservar / dos outros que cuidam de si mesmos] soa quase premonitório do que testemunhamos agora.
É numa atmosfera infelizmente apropriada que são lembrados nesta segunda (18) os 40 anos da morte de Ian Curtis, vocalista do Joy Division. Pelas mãos da banda, o gênero que deu a alegre e inocente “I want to hold your hand” meros 15 anos antes produziu um dos climas musicais mais barra-pesada que o grande público já ouviu.
Com o precioso toque do produtor Martin Hannett, o quarteto de Manchester conseguiu emplacar nas paradas uma sonoridade deprimida e com uma grande dose de claustrofobia. A raiva do punk continua lá, mas a energia não é a mesma, é pós-algo, torna-se carregada e arrastada.
A prova do tempo só mostrou a força da obra do Joy Division. A capa do clássico “Unknown pleasures” é um ícone pop reconhecível em camisetas circulando dentro de qualquer megalópole (em eras pré-pandemia, claro) do mundo. As pessoas querem exibir sua afinidade com o universo sombrio que Ian Curtis decifrou tão jovem.
O grupo continua pescando fãs novos. A exposição de suas vulnerabilidades e medos nas letras, a incorporação de um problema de saúde como elemento na performance (suas crises epiléticas) e até a ironia (“Love will tear us apart” é um aceno triste à deliciosamente cafona “Love will keep us together”, de Captain & Tennille) parecem sintonizar Curtis mais à narrativa pop atual do que ao mundo de quatro décadas atrás.
O suicídio aos 23 anos fez pairar uma aura de “poeta trágico” sobre ele, uma romantização que já ocorreu outras vezes na história com a morte de talentos jovens. Mas os depoimentos de familiares e de seus ex-colegas de Joy Division tornam evidentes que a dor e o choque da morte foram devastadores, não elementos de glamour.
Por sinal, Bernard Sumner, Peter Hook e Stephen Morris preferiram abrir mão da atmosfera pesada e do clima de tristeza em beco sem saída que construíram com originalidade ao lado de Ian Curtis (e Martin Hannett) quando resolveram prosseguir juntos na música.
Recomeçaram, renomearam o grupo para New Order (“nova ordem”) e estabeleceram a antítese do Joy Division: música para sair à noite, música para dançar na pista, música para celebrar estar vivo. O grupo logo ajudaria a pavimentar a explosão da house music no final dos anos 1980, e o Reino Unido e a Europa viveriam em seguida a fase das raves, da celebração em massa, o “segundo verão do amor”.
O legado de Ian Curtis deve ser celebrado. Aliás, o baixista Peter Hook exibirá nesta segunda no canal de sua banda The Light uma apresentação de 2015 em que tocou todas as músicas do Joy Division. Separados e brigados com Hook, o New Order fará uma live que contará com a participação de Brandon Flowers, do Killers, e de outros convidados.
Mas convenhamos: a trilha sonora do mundo num futuro breve poderia ter mais cara de New Order do que de Joy Division.