Estudantes de medicina russos denunciam mobilização forçada


O governo emitiu um decreto ordenando aos estudantes de medicina do quarto, quinto e sexto períodos a realização de ‘treinamento prático’ em hospitais que tratam pacientes com Covid-19. 22 de abril – Equipe médica se prepara para atender pacientes no hospital clínico Spasokukotsky, em Moscou, na Rússia
Yuri Kadobnov/AFP
A mobilização de estudantes contra o coronavírus na Rússia é realizada sob ameaça das autoridades – “aqueles que não vão, não recebem diploma e correm o risco de serem expulsos” – denuncia Svetlana, estudante de medicina do sexto ano em Moscou.
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Dado o número de infecções, o sistema de saúde russo – enfraquecido pela falta de pessoal, anos de cortes no orçamento e reformas controversas – está sob pressão. A implantação de quase 100 mil leitos adicionais em todo país está se mostrando insuficiente.
Até sábado, havia quase 200 mil casos identificados.
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Em 27 de abril, os Ministérios da Saúde e da Educação emitiram um decreto ordenando aos estudantes de medicina do quarto, quinto e sexto períodos a realização de “treinamento prático” em hospitais que tratam pacientes com Covid-19, a partir de 1º de maio.
Somente aqueles com “contraindicações médicas” estão isentos.
Escassez
Segundo vários testemunhos coletados pela AFP, como o de Svetlana, alguns estudantes afirmam que estão sendo ameaçados de exclusão, caso se recusem a participar. Eles pedem para permanecer anônimos por medo de retaliação.
Também estão preocupados com a falta de equipamentos de proteção individual nos hospitais. As autoridades reconhecem que há dificuldades, mas minimizam o alcance.
Alexandra, no quarto ano de medicina na Universidade de Setchenov, é franca: se “os médicos não têm os meios de proteção, duvido muito que exista o suficiente para nós”.
A jovem também afirma que não vão realocá-la e ela não quer arriscar “infectar seus pais” que moram na mesma residência. Sem proteção e sem experiência, “não ajudaremos e espalharemos a infecção”.
Elena, em seu segundo ano em Setchenov e, portanto, isenta da mobilização, afirma que alguns colegas receberam ameaças.
“Se você não aceitar, não terá diploma, ou especialização”, disseram eles, segundo ela.
Em um apelo anônimo publicado nas redes sociais, estudantes da Universidade de Pirogov pediram ao reitor Sergey Lukianov para estabelecer o “voluntariado” como um princípio.
Nem esta universidade nem a secretaria de saúde de Moscou responderam aos pedidos da AFP por reações.
A vice-reitora da Universidade de Setchenov, Tatiana Litvinova, contactada pela AFP, afirma que trabalhar em uma área que trata de pacientes com Covid-19 não é obrigatório.
“Se um aluno não quiser, pode continuar seu treinamento em outro centro. Ninguém o está forçando”, disse Litvinova, contrariando o texto do decreto, que, em seu estabelecimento, afeta mil estudantes.
Também promete que os estudantes que estiverem em contato com pacientes em Moscou receberão até 100.000 rublos (cerca de R$ 7.781) e terão “meios de proteção individual”.
Ivan Konovalov, do sindicato Alianças de Médicos, próximo ao opositor Alexei Navalni, explica que as autoridades estão mobilizando os estudantes, devido a uma falta crônica de pessoal.
“As reformas dos últimos anos no setor da saúde provocaram um grande êxodo de médicos”, aponta.
Mesmo instituições próximas ao Kremlin, como o Tribunal de Contas, reconheceram que a “otimização” do setor, um eufemismo para o governo definir as reformas dos últimos dez anos, deixou a medicina desamparada diante da epidemia.
Sem experiência
A situação tem-se agravado, com muitos profissionais infectados e, em geral, mais de 10.000 casos de contágio diariamente há uma semana.
As autoridades não publicam estatísticas. Segundo uma contagem não oficial feita por médicos locais, centenas deles foram infectados, e pelo menos 100 morreram.
Konovalov acredita que a mobilização de estudantes não resolverá o problema: “Mesmo os do último ano não têm experiência em trabalhar nessas condições”.
Nesse contexto, os estudantes lançaram uma petição on-line, pedindo a anulação do decreto. Outro grupo organizou um protesto no Instagram contra o “trabalho forçado”.
Algumas pessoas não entendem essas iniciativas.
“Por que você escolheu esse trabalho? Para salvar vidas. Se uma guerra começar, também se esconderão sob as saias de suas mães?”, protestou Marina Goncharova no VKontakte, a principal rede social russa, escrevendo em uma página dedicada aos protestos estudantis.
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